terça-feira, 13 de março de 2012

Amanhã.


Disse. Disse que te amo. Deixei a palavra alforriar-se indefinidamente dos lábios, como uma sentença pronunciada demasiado cedo.
Foi um "amo" com sabor de despedida. A despedida que nunca ambicionamos fazer, que desejamos sempre demorar.
Dei-lhe asas. Deixei-a ciar. Existem termos que nos saturam a alma. E nessa palavra assentei todo o anseio.
Era eu. Eu, costurada em cada letra. Eu, refletida em cada nuance.
Existem palavras que nos doutrinam. Existem palavras que superam a sua força.
Hoje, o sigilo a que me envio, grita de uma forma que me despedaça. Toda.
Mas não o vou calar. Sei que hoje o silêncio tem sabor a ti. Tem sabor de adeus, de "amo-te" em cada porção do seu corpo disforme.
Só o silêncio, só o seu grito, me pode apagar a dor...
Existem silêncios demasiado nossos. Este... é um deles.
Existem vácuos que nunca se irão encher.
Os meus, são demasiado densos. São ecos de dias tão diuturnos. São uma sombra do meu sorriso ido...
Queria que entendesses a dor. De não existir muitas mais razões para chorar e, no entanto, o corpo despedaçar a cada instante...
Ouves? Há um burburinho de afago que açambarca o tempo. Em nós!
Mas eu estou tão vazia. Eu era eu, sabias? Contra tudo, contra todos, era eu. Eu.
E ainda nem sabia o que isso era. Só sabia ser, desesperada por uma ocasião de sossego.
Existem viagens que, quando terminadas, já não importa se chegaste ou não. O preço é descomedido.
Fiz muitas. Muitas viagens. Cá dentro. Admiti bocados de mim que não amo. Encarei-os.
Eles ainda existem.
Hoje, eu, já não sou eu. A viagem completou-se e eu permaneci na expectativa de um amanhã que jamais chega.
Amei os filhos que não tive, sonhei com a casa que não edifiquei, afaguei um rosto que não conheci, deliciei-me com os embriões que o meu ventre se nega a passear.
E, abruptamente, chegou o vácuo.
Nada importa quando o ontem te rouba o amanhã.
E o amanhã, amor... jamais chega.
Por vezes, queria dizer-te que a aflição é elevadamente real para ser apenas delírio.
Por vezes, queria abraçar-te e implorar-te que não fosses... Que ficasses aqui e me embalasses como a uma miúda.
O pânico invade-me. Depois, uma espiral, uma espiral que me atira contra a parede e me devora a pretensão de estar perto de pessoas.
Lágrimas cristalizam-se na garganta e criam um colossal nó.
Por vezes, queria dizer-te que só a tua presença me acalma esta ânsia. Outras vezes,  exclusivamente ambiciono permanecer a ouvir o silêncio piar, enquanto, de olhos fechados, te imprimo anos e anos de fantasias escavacadas e geadas que submergem o meu corpo.
...
Não consigo falar com eles, sabias? Eles viajam na mesma casa que eu, mas são meras plateias silenciosas das minhas fiéis mutações de génio.
Sempre tive riso fácil. Vendo a minha boca a gargalhadas que jamais me beijaram o coração.
Sempre fui a mais forte. Sempre. Eles acham que será sempre assim! Que nos malditos períodos eu irei confortá-los e, que ainda me aliviarei a mim mesma.
...
Estou tão doente... Sinto-o nos ossos. Sinto-me a definhar. A minha mente! Não está aqui.
Sabes, amor? O cansaço é uma moléstia que nos deixa frouxos. E eu estou tão cansada... Quando acordo, penso que acordo para um novo sonho. Tudo se me é baço aos olhos.
Eu sei que isto vai acabar. Eu sei que esta espera que me esfola os joelhos vai terminar e, então, tudo vai ficar bem.
Eu repito-o para os outros. Como se fosse um hino corriqueiro. Rio-lhes. Afago as suas imponderações e cochicho que a vida é um colossal inventário de pedregulhos na estrada e que, mesmo assim, a vida não tem fim.
E é verdade... Quem acaba sou eu. Eu é que me revogo nestes sossegos, nestas constantes implosões, nestes extermínios que escondo atrás do ar desleixado e confiante.
E depois, inundo-me de aflição e equívocos e choros que nunca sei soluçar e que só fluem na voz.
Eu sei que amanhã é outro dia e que eu sempre fui catedrática no que toca a fingir forças e cafunés.
Eu sei tudo isso. Eu sei.
Fui eu quem idealizou as mais belas frases de alívio e quem depois as repetiu a si mesma enquanto, do ar, caíam denúncias.
Fui eu quem acariciou os meus dedos frios nas noites em que ninguém vinha ver se os cobertores existiam.
Fui eu quem escreveu contos para entreter os gritos que se me semeavam nos blocos, nos jornais, nas paredes, nos termos que jamais aceitei deixei sair do peito.
Sim, amor. Fui eu. Eu que tricotei muralhas em volta do meu “eu” tão moribundo e me liquidei moderadamente.
Porque não o sei fazer agora?
Porque agora não estou sozinha. Agora existes. E o meu eu já não contesta os contos, nem os meus dedos, nem as minhas citações.
Apenas as tuas.
Só a tua pseudo-presença serena esta miséria.
Nunca falei o mesmo idioma que as outras meninas. Nunca fui casta e ingénua. Mas fui romântica.
Ainda sou.
E veio a escrita. O meu defeito e a minha redenção.
Queria dizer que ela existe porque tu existes. Ou, que ela dura porque é boa. Mas não. Ela existe meramente porque vivo.
É implicação da minha voz mitigada assim como a sombra é consequência do Sol.
Por vezes quero tão só dizer que te amo... E é essa a única certeza que tenho nesta argila que sou. Onde chafurdo nas minhas próprias indecisões.
Outras vezes... Estou demasiado espairecida a fingir prosperidade para me lembrar do que, realmente, penso ou quero ou planeio.
Vou esperar o teu retorno.
Até lá, grito silenciosamente. Para não os despertar e chocar... Vou continuar a admitir as suas presenças tão subtis, tão cegas.
Quase te posso notar, mas não te consigo tocar. Nunca consegui.
Aqui ao lado, eles prosseguem as suas vidas. Paralelas à minha.
À minha vida que só o é quando estás comigo.

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