sexta-feira, 2 de março de 2012

Ela.

"Prelúdio:
Não era de desconhecer que ela, dantes dominadora soberana dos amores inexequíveis, após um atrofiar ronceiro e atroz, expirasse isolada nos braços de desconhecidos. Foi descoberta sem actividade, num qualquer quelho de ébrios de cólera e de asco.
No seu enterro, achavam-se duas carpideiras, e o coveiro; a vacuidade de um préstimo monástico manifestava o delito da sua presença.
Nem cista obteve; foi desaguada num incógnito barranco de um fossário precipitado de almas vagabundas – o catre mortuário seria, também, fundamental para outras extinções comunicadas - assim como a estéril mortalha que, outrora ebúrnea, era já jamanta rota de máculas, pelo que foi, arremessada nua, a uma muito pouco imaginada depressão trivial, empanturrada de outros resquícios funestos.
Capítulo único:
Ela era a dominadora altiva dos amores inexequíveis, cativada por sonhadores imoderados em retirada de si próprios; a arrojada, que deles se intencionava inspiração, arreliava-os.
Olhos, onde ela os cravasse, logo lhe protestavam o património e convertiam-se invejosos caso outros se atrevessem alçar para o corpo tido; qualquer incauto vate que afoitasse sorver do seio intumescido de sícera da dama desses olhos, ébrio e defraudado da sua analogia – poeta contemplado, poeta confiscado – se proferia.
Ela deliciava o sonhador com aguadilhas lânguidas de seu sexo, com líquidos lácteos da sua bílis corporal e subjugava-o instantaneamente aos vínculos do ferruncho e da catástrofe, qual vergôntea arguta. Espiava-o com a coadjuvação das suas cativas gárgulas, fantasias e harpias que o esporeavam de sofrimento, de horror, de contestação e de angústia. Coitado daquele que tombasse nas suas garras! Jamais ousaria empinar a voz que lhe era abreviada a carpidos delirantes e a ímprobo cativeiro, endoidecendo no estrebuchar de quem se afoga e tem presente a sua imperecível ânsia.
Mas, se ele tentasse ejacular mais que um gemido e difamar a sua buena-dicha, de imediato ela lhe injectaria o vírus da sua patológica displicência e o aprisionaria no ergástulo do seu emudecimento.
Todavia, um deles esburacou as carnes escapando-se às correntes da perversidade. Apartou o açaime do mutismo tributado e vociferou a sua cólera. Arroste!
Réproba. Ela. Sugerida à mágoa da sua debilidade, sujeita à sua própria esparrela até que, enfartados, fosse demolida pela inquietação de uma extinção lenta e vaticinada.
E, assim, ela estalou: desprotegida, desconsiderada de quaisquer sentimentos, execrada, rompida pelo ódio. Pelo seu ódio. E nem as gárgulas se enterneceram na sua hirta petrificação…
Desenlace:
O sonhador é, agora, um ser informe que veleja atalhos do ignoto e da anamnese.
Foram-lhe impedidos a escrita, os panegíricos, as cantigas e as melodias que a poderiam restaurar.




Para ti. Sempre.

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